sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Esticando o tempo

Tudo aqui se confunde. Espiralizo, mas o tempo não volta. Gira mais rápido pro centro e se perde. Uma vez maduro, cai e não tem jeito. O desejo de chegar às folhas mais altas da árvore, sem saber por onde subir. Nem por isso desisti de esticar meu pescoço de girafa. Sabia que um dia me serviria. E nem por isso deixei de tentar me desacomodar do chão, mesmo que patinando na lama. Engatinhando na grama. Preciso me erguer. Agora há muitas coisas à minha volta, e quero tudo de uma vez. É preciso ser polvo, também. Meu pior inimigo ruge: o tempo. Animal feroz. Dele dependo e nele habito. Nele transito sem rumo certo. Sigo viagem sem passagem de volta. Entro no safári e nele me perco. Forasteiro, desembarco hoje por águas que desconheço, pra aldeias que nunca ouvi. O silêncio se espanta, e de repente o ímpeto de falar. O melhor e mais significativo é calar-se. A urgência, porém, é dizer. Chafurdados de informações. Ouço vozes que não dizem nada. Onde essa canoa vai parar? Areia movediça de alienação. Progresso sem civilização. O avanço me trouxe à selva. Salve-se quem puder. Grite, ainda que submerso. Estou quase chegando ao galho mais alto. Mas ele ainda está tão distante... Quase não é chegar. O risco é necessário. Não há atalhos que me desviem daqui. Não há trilhas neste deserto sem fim. O que mais incomoda não é estar no quase, é não ter a certeza da chegada.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Poeta não bate cartão

Poeta não bate cartão, pois um verso se faz de viver. Poesia não é opção, é marca de nascença. Nasce na pele e incomoda pro resto da vida. Fingir que o vento da rua não me descabela não adianta. Fingir que a chuva da cidade não me alaga, muito menos. O holocausto aconteceu pela palavra de um homem. Repito: pela palavra. Isso incomoda. O jeito é naufragar no início da tempestade do mundo: a linguagem. Poesia é prosa de esquina. Poeta que foge da rua finge que não vê. Sentar-se à janela e sonhar acordado: não, isso não é ser poeta. O poeta olha a rua que está por trás da janela. Seu sonho tem pés no chão. Sonhar é devaneio do dia -sem correntes-. Sonhar é descobrir os desejos -escondidos-. Dormir e não sonhar: esgotar-se de querer. Poetar é devaneio do dia -sem correntes-.  Poetar é descobrir os desejos -escondidos-. Seduzir a palavra, pra que ela se confesse. Viver e não poetar: esgotar-se de sonhar; bater cartão no início e no fim do dia; limite de visão: o prédio. Expediente do poeta: infinito e nunca. Função: tudo ou nada. Poesia não é profissão. Quem não delira se deixa ser escrito. Poetar é viver sem cordas. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ecos de mim mesma



À procura de minha voz,
                             minha voz

que soa no princípio
em burbúrios nebulosos,

embaçam o discernimento
e ecoam intermitentes,
                         intermitentes

pingos desamparados
doces e salgados,
dóceis e selvagens

pingos de mim mesma
se confundem no estuário

caem pequenos e pesados
se desfazem
               em círculos 

não os retenho,
escapam.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Faz de conta que foi assim


                                                                                 Fotografia: Evgen Bavcar
Pra poupar a doçura da voz
com o olhar me perguntou:
como se escreve o nome?
como se escreve?

Os olhos ardiam de desejar
dizer não podiam se a fala vazou
vazios perdidos ficaram
vagar.
À procura deles minha mão tateou...

Não encontrou.

Encontrou a lágrima que dos olhos
caiu.
Como fosse uma pérola a palma
amparou. E era uma pérola, e era
palavra.
A palavra antes presa nos olhos vermelhos
Pérola que a ostra não deixava sair.

Bolinha cintilou muito forte, não aguentou
ficar presa ao cordão.
Luzinha criou asas e fugiu da minha mão
Escapou num desespero profundo
Meus olhinhos...
grandes o bastante pra comprender que
aqueles podem dizer muito,
mas não eu.

Minha mão não conteve
a lágrima por muito tempo.
Não posso esconder a pérola no bolso.
Posso? Não posso.

Vagaluminho do mato,
saia já daí,
não se esconda
que este mundo precisa de ti.
Ande, bichinho
espalhe teu mel.
Voa, todo charme, distração
Vai que fico com a azaléia,
sem cheiro de flor,
mas com perfume,
que você deixou.