domingo, 22 de abril de 2012

Livro da Dança

O link do livro em pdf pra baixar:
http://www.olivreiro.com.br/pdf/livros/cultura/5079663.pdf





Basta de escrita; a escrita que basta


Ele deixou a tinta cair do papel
quando mais precisava
Tinta rubra escorre o branco
e deixa o vazio surgir na folha
onde sangram palavras que ele não
me disse que ele não diria
Página pálida ressecada e sem vida;
a última gota era a que faltava para
a hemorragia do poema
Ele não me avisou que iria abandonar
a intimidade que deixou
aqui uma cicatriz
Se ele se foi, foi porque
o desejo o deixou primeiro
A carta que ele não mandou não
dizia uma morte, mas uma outra
vida que o esperava com os
versos que ele parou de dizer
pra dizerem nada. Nenhuma gota
e hemorragia

Mas eu fiquei aqui com
o papel e a tinta nas mãos
que já não se cansam da dança
que sacode a folha fazendo
barulho para encobrir seu silêncio
Meu branco se move com luz
formando outras cores além
do rubro que ele estancou
Sua ausência me traz vontade
de escrever a resposta da carta
que ele não me mandou;
seu silêncio aumenta meu desejo;
sua fuga é covardia? sua falta é
impotência? É presença.
É coragem sair ou ficar?
Rasgar a cicatriz,
ou fechar?

sexta-feira, 20 de abril de 2012

sedimentos do sentimento


sedimentos do sentimento

escondo a poeira debaixo
do tapete,
fecho as janelas pra
conter o vento,
fecho os olhos pra ouvir
uma sinfonia, e
encortino o mundo.

a janela se abre de súbito,
sacode o tapete e
dispersa a poeira escondida.
o vento  tem voz grave:
é uivo que atormenta.
um sopro me desfaz;
meus vestígios se integram
à poeira suspensa.

há um silêncio depois de
toda tempestade.

a poeira abaixou;
é preciso soprá-la outra vez.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Esticando o tempo

Tudo aqui se confunde. Espiralizo, mas o tempo não volta. Gira mais rápido pro centro e se perde. Uma vez maduro, cai e não tem jeito. O desejo de chegar às folhas mais altas da árvore, sem saber por onde subir. Nem por isso desisti de esticar meu pescoço de girafa. Sabia que um dia me serviria. E nem por isso deixei de tentar me desacomodar do chão, mesmo que patinando na lama. Engatinhando na grama. Preciso me erguer. Agora há muitas coisas à minha volta, e quero tudo de uma vez. É preciso ser polvo, também. Meu pior inimigo ruge: o tempo. Animal feroz. Dele dependo e nele habito. Nele transito sem rumo certo. Sigo viagem sem passagem de volta. Entro no safári e nele me perco. Forasteiro, desembarco hoje por águas que desconheço, pra aldeias que nunca ouvi. O silêncio se espanta, e de repente o ímpeto de falar. O melhor e mais significativo é calar-se. A urgência, porém, é dizer. Chafurdados de informações. Ouço vozes que não dizem nada. Onde essa canoa vai parar? Areia movediça de alienação. Progresso sem civilização. O avanço me trouxe à selva. Salve-se quem puder. Grite, ainda que submerso. Estou quase chegando ao galho mais alto. Mas ele ainda está tão distante... Quase não é chegar. O risco é necessário. Não há atalhos que me desviem daqui. Não há trilhas neste deserto sem fim. O que mais incomoda não é estar no quase, é não ter a certeza da chegada.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Poeta não bate cartão

Poeta não bate cartão, pois um verso se faz de viver. Poesia não é opção, é marca de nascença. Nasce na pele e incomoda pro resto da vida. Fingir que o vento da rua não me descabela não adianta. Fingir que a chuva da cidade não me alaga, muito menos. O holocausto aconteceu pela palavra de um homem. Repito: pela palavra. Isso incomoda. O jeito é naufragar no início da tempestade do mundo: a linguagem. Poesia é prosa de esquina. Poeta que foge da rua finge que não vê. Sentar-se à janela e sonhar acordado: não, isso não é ser poeta. O poeta olha a rua que está por trás da janela. Seu sonho tem pés no chão. Sonhar é devaneio do dia -sem correntes-. Sonhar é descobrir os desejos -escondidos-. Dormir e não sonhar: esgotar-se de querer. Poetar é devaneio do dia -sem correntes-.  Poetar é descobrir os desejos -escondidos-. Seduzir a palavra, pra que ela se confesse. Viver e não poetar: esgotar-se de sonhar; bater cartão no início e no fim do dia; limite de visão: o prédio. Expediente do poeta: infinito e nunca. Função: tudo ou nada. Poesia não é profissão. Quem não delira se deixa ser escrito. Poetar é viver sem cordas. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ecos de mim mesma



À procura de minha voz,
                             minha voz

que soa no princípio
em burbúrios nebulosos,

embaçam o discernimento
e ecoam intermitentes,
                         intermitentes

pingos desamparados
doces e salgados,
dóceis e selvagens

pingos de mim mesma
se confundem no estuário

caem pequenos e pesados
se desfazem
               em círculos 

não os retenho,
escapam.